terça-feira, 29 de novembro de 2011

Dance conforme a música do silêncio ( Parte I )


Precisamos do silêncio para entrar em contato com a felicidade que repousa no fundo do nosso coração. Não poderemos senti-la se estivermos sempre em movimento. Ela é como um lago. Só quando este fica bem calmo, pode refletir-se nele a beleza do mundo. Precisamos ficar quietos, para que a beleza que nos cerca possa espelhar-se em nós. Sentiremos, então, a alegria que está dentro de nós.

Em cada um de nós existe um espaço de silêncio e liberdade. Não precisamos criá-lo primeiro, ele já está dentro de nós. Nesse espaço estamos inteiros e intactos. Ele não foi afetado por nossos erros e nossas fraquezas, nem foi comprometido pelos juízos e condenações dos homens, nem por suas expectativas. Aí podemos descansar, porque o próprio Deus mora nesse espaço.

Você só chegará a si se ficar quieto. A grande quantidade de influências que vêm de fora o faz ficar doente. Você precisa do silêncio para tornar-se totalmente você mesmo.

Aquietando-se, você encontrará em primeiro lugar a si mesmo. Aí já não poderá manifestar sua agitação. Perceberá que ela está dentro de você. É necessário resistir à inquietação para alcançar o silêncio.

Calando-se, você poderá viver inteiramente o momento atual. Quando começar a pensar, você deixará de lado o momento presente. Mas a felicidade está sempre no momento presente.

Procure o silêncio. O barulho é como a sujeira e o pó. O silêncio é como um banho para a alma. Não há limpeza mais intensa do que a operada pelo silêncio. O silêncio é um caminho que leva à paz do coração.

Quem não pára de falar vai perdendo sua energia interior. O silêncio é como o fechamento da porta de sua alma, para que o fervor em seu interior não se extinga e a fonte de sua força não se esgote. 

Um silêncio puro e límpido faz cessar a nossa fome. Ele acalma os desejos do coração. É a verdadeira felicidade do ser humano.

( Anselm Grün )

domingo, 27 de novembro de 2011

Evangelho (Marcos 13,33-37)


Domingo, 27 de Novembro de 2011
1º Domingo do Advento

Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: 33Cuidado! Ficai atentos, porque não sabeis quando chegará o momento. 34É como um homem que, ao partir para o estrangeiro, deixou sua casa sob a responsabilidade de seus empregados, distribuindo a cada um sua tarefa. E mandou o porteiro ficar vigiando. 
35Vigiai, portanto, porque não sabeis quando o dono da casa vem: à tarde, à meia-noite, de madrugada ou ao amanhecer. 36Para que não suceda que, vindo de repente, ele vos encontre dormindo. 
37O que vos digo, digo a todos: Vigiai!”

- Palavra da Salvação. 
- Glória a vós, Senhor.

 

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Luz no Horizonte


A solidão onipresente tem muitos nomes e sobrenomes, inúmeras nuances e intensidades, infindos ciclos de duração. Um sofrimento oculto. O deserto da doença. O medo do fracasso, da morte, de ser passado para trás. A calúnia, a ingratidão, o ódio, a injustiça. O túnel sem luz, a fonte sem água, a esperança que faliu e o projeto que não deu certo. A dor de não ser amado. Ou de já não ser mais lembrado. De uma gratificante amizade de outrora, talvez apenas a dolorida lembrança, uma presença-ausente.
A sensação de inutilidade, de marginalização, de  quem se sente sozinho, incompreendido, sobrando, fenecendo. Um grito parado no ar, sem eco, sem resposta amiga, cordial.
Situações humanas, pedaços da vida de muita gente, capítulos talvez conhecidos e vivenciados aqui e ali por cada um de nós. Além de poeta, o velho Goethe se revela psicólogo espiritual quando avisa:
--Tenhamos sempre muita confiança. Sempre e em quaisquer circunstâncias é preferível esperar a desesperar. No coração repleto de confiança em Deus não há lugar para o temor.
E a voz confortadora do Mestre, que veio para salvar e não condenar, nos confidencia incutindo ânimo:

___ Vinde a mim todos os que estais aflitos e sobrecarregados. Eu tornarei mais leve e suave o fardo de todos vocês.

( Padre Roque Schneider )

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Corações Musicais


Por que fazer da existência uma partitura distorcida pelo ódio, pelo egoísmo e pela amargura quando nascemos para compor a luminosa sinfonia da amizade, da entreajuda, do amor ?
Seja compreensivo, afável e cordial com todos, quando possível, orvalhando de paz, amabilidade e alegria seu convívio profissional e comunitário, seu jeito de ser, suas palavras, pensamentos e atitudes. Ame seu trabalho, sua família, seus parentes e amigos.
Somos o que são nossos pensamentos. Valemos o que valem nossas ações solidárias. Contagie suas vinte e quatro horas diárias com o perfume do sorriso amigo, da motivação positiva. E você será um ser luminoso, irradiante, mais feliz e mais realizado.

Por que plantar ceticismo e agressividade nos canteiros do cotidiano, quando podemos ser portadores de luz e harmonia, corações musicais ?

( Padre Roque Schneider )

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Sempre a caminho


O mais importante, no Reino de Cristo e no cotidiano da vida, não é o triunfo, mas o empenhar-se na luta. Ser santo é reconhecer-se limitado, pecador. Sempre a caminho.
A trajetória do Mestre terminou num aparente fracasso no alto do Calvário. Posteriormente, na manhã da Ressurreição, um túmulo vazio veio provar sua vitória sobre a morte, o pecado e os que o haviam crucificado. 
O grão de trigo deve morrer para depois renascer e frutificar. Mesmo derrotado, sempre é vitorioso quem dá o melhor de si mesmo.
Seria melancólico e triste se tudo no mundo estivesse pronto, acabado. Tudo perfeito, sem necessidade de retoque, de complementação.

Deus é tão sábio e desconcertante em seus desígnios e planos projetados na história, na linha do tempo, que nos deixa inacabados, prédios-vida em perene construção.

( Padre Roque Schneider )

sábado, 19 de novembro de 2011

A purificação do coração.


O coração é a sede da personalidade moral: "É do coração que procedem más intenções, assassínios, adultérios, prostituição, roubos, falsos testemunhos e difamações" ( Mt 15,19 ). A luta contra a concupiscência da carne passa pela purificação do coração e a prática da temperança:

Conserva-se na simplicidade, na inocência, e serás como as criancinhas, que ignoram o mal destruidor da vida dos homens.

A sexta bem-aventurança proclama: " Bem-aventurados  os puros de coração, porque verão a Deus"( Mt5,8 ). A expressão "puros de coração" designa aqueles que entregaram o coração e a inteligência às exigências da santidade de Deus, principalmente em três campos: a caridade, a castidade ou a retidão sexual, o amor à verdade e à ortodoxia da fé. Existe um laço de união entre a pureza do coração, do corpo e da fé:

Os fiéis devem crer nos artigos do símbolo, "para que, crendo, obedeçam a Deus; obedecendo, vivam corretamente; vivendo corretamente, purifiquem seu coração; e, purificando o coração, compreendam o que crêem.

Aos "puros de coração" está prometido ver a Deus face a face e ser semelhante a Ele. A pureza de coração é a condição prévia da visão. Desde já nos concede ver segundo Deus, receber o outro com um "próximo"; como um templo do Espírito Santo, uma manifestação da beleza divina.

( Catecismo da Igreja Católica, 2517,2518,2519 )


sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Amor de Deus, " ciumento " de nós.


" Não possuís porque não pedis. Pedis, mas não recebeis, porque pedis mal, com o fim de gastardes nos vossos prazeres" ( Tg 4,2-3 ). Se pedimos com um coração dividido, " adultério ", Deus não nos pode ouvir, porque deseja nosso bem, nossa vida. " Ou julgais que é em vão que a Escritura diz: Ele reclama com ciúme o espírito que pôs dentro de nós ( Tg 4,5 ) ?" Nosso Deus é "ciumento" de nós, o que é o sinal da verdade de seu amor. Entremos no desejo de seu Espírito e seremos ouvidos:

Não te aflijas se não recebes imediatamente de Deus o que lhe pede: pois Ele quer fazer-te um bem ainda maior por tua perseverança em permanecer com Ele na oração. Ele quer que nosso desejo seja provado na oração. Assim Ele nos prepara para receber aquilo que Ele está pronto a nos dar.

( Catecismo da Igreja Católica, 2737 )

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

A Divina Providência


A criação tem sua bondade e sua perfeição próprias, mas não sai completamente acabada das mãos do Criador. Ela é criada "em estado de caminhada" ( " in statu viae" ) para uma perfeição última a ser ainda atingida, para a qual Deus a destinou. Chamamos de divina providência as disposições pelas quais Deus conduz sua criação para esta perfeição: 

Deus conserva e governa com sua providência tudo o que criou; ela se estende " com vigor de um extremo ao outro e governa o universo com suavidade" ( Sb 8,1 ). Pois "tudo esta nu e descoberto aos seus olhos" ( Hb 4,13 ), mesmo os atos dependentes da ação livre das criaturas.

O testemunho da Escritura é unânime: a solicitude da divina providência é concreta e direta, torna cuidado de tudo, desde as mínimas coisas até os grandes acontecimentos do mundo e da história. Com vigor, os livros sagrados afirmam a soberania absoluta de Deus no curso dos acontecimentos: " O nosso Deus está no céu e faz tudo o que deseja" ( Sl 115,3 ); e de Cristo se diz: " O que abre e ninguém mais fecha, e, fechando, ninguém mais abre" ( Ap 3,7 ). " Muitos são os projetos do coração humano, mas é o desígnio do Senhor que permanece firme" ( Pr 19,21 ).

Assim vemos o Espírito Santo, autor da Escritura, atribuir muitas vezes ações a Deus, sem mencionar causas segundas. Esta não é uma "maneira de falar" primitiva, mas uma forma profunda de lembrar o primado de Deus e o seu senhorio absoluto sobre a história e o mundo e de assim educar para a confiança nele. A oração dos Salmos é a grande escola desta confiança. 

Jesus pede uma entrega filial à providência do Pai Celeste, que cuida das mínimas necessidades de seus filhos: "Por isso, não andeis preocupados, dizendo: Que iremos comer? Ou, que iremos beber?... Vosso Pai celeste sabe que tendes o necessidades de todas essas coisas. Buscai, em primeiro lugar, o Reino de Deus sua justiça, e todas essas coisas vos serão acrescentadas" ( Mt 6,31-33 )

( Catecismo Igreja católica, 302,303,304 ) 

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

As chaves da felicidade


Um célebre escritor inglês disse com muita lucidez e precisão:
O homem moderno é alguém que perdeu sua identidade. 
Criatura humana, que vive sem Deus, perde sua identidade, corta as raízes, mutila sua estrutura fundamental. E são tantos, infelizmente, os que enveredam por estes descaminhos nos dias atuais !
Encontrar o endereço de Jesus Cristo é a graça maior de uma existência. Como apóstolos generosos, estendemos a mão ao próximo buscando ajudá-lo a encontrar sua identidade, se por acaso a perdeu.
Se fôssemos apenas matéria, corpo, Deus não seria tão importante, decisivo e vital. Mas nosso lado religioso traz ressonâncias inapagáveis de Absoluto, de eternidade.
Longe de Deus desequilibramos psicologicamente, porque a dimensão religioso-espiritual mora inatamente dentro de nós. É carimbo de nascença, marca inapagável, enraizada nos longes da eternidade. Quem tenta desconectar-se do Infinito abre um rombo imenso no coração, talhado para o Absoluto. Os valores efêmeros da terra não preenchem nem satisfazem nosso cântaro-alma, sedento de imortalidade, vinculado à transcendência. Quem tenta viver de costas para Deus joga fora as chaves da paz, da felicidade, da realização humana. Ser filho ingrato não é nada inteligente.

A sabedoria da fé nos avisa: quando a vida nos fecha a porta, Deus nos abre uma janela. Quando o mundo circundante nos decepciona e castiga, há sempre um coração aberto para nos confortar e acolher. Cristo, o amigo certo das horas incertas.


( Padre Roque Schneider )

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Um dia


Todos nós desejamos entrar em sintonia com nós mesmos. Mas temos muitas dúvidas e perguntas. O que se sintoniza comigo ? Quando posso dizer que estou em sintonia comigo mesmo ? O que devo aceitar e o que devo combater ? Nessa tensão interna entre desejo e dúvida, Rainer Maria Rilke escreveu seu poema:

Quando se vivenciam as perguntas
Talvez gradualmente, sem perceber,
Um dia qualquer, pode-se estar
Dentro da resposta.

Não se trata de responder às perguntas. Muitas vezes não encontramos respostas. Mas quando vivenciamos a pergunta, frequentemente encontramos a resposta por meio da própria vida. De repente a própria vida nos dá a resposta. Na vivência da pergunta forma-se a resposta.

( Anselm Grün )

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

A Alma Separada do Corpo



Introdução
Conforme a doutrina hilemórfica de Aristóteles, o corpo é feito para a alma, pois "não é a forma que está ordenada à matéria; antes, o contrário". E sendo a alma "a forma específica de um corpo natural que tem a vida em potência" (De Anima, livro II, cap. 1. Tradução nossa), devemos compreender a partir da alma a razão de ser do corpo.

Entretanto, estando a alma do homem colocada "no ínfimo grau das substâncias espirituais", pois à diferença dos anjos não possui o conhecimento inato da verdade, deparamos ante a necessidade do corpo para a operação própria da alma intelectiva, que é conhecer: é da variedade de seres percebidos pelos sentidos que o homem extrai a verdade.

O papel dos sentidos internos, por exemplo, é fundamental. São Tomás nos diz a este respeito: "para que o intelecto conheça em ato [...] exige o ato da imaginação e das outras potências". E cita um exemplo: "quando por uma lesão orgânica se encontra impedido o ato da imaginação, no caso dos dementes, e igualmente impedido o ato da memória, no caso dos letárgicos, o homem fica impedido de conhecer até mesmo as coisas das quais já tivera notícia". Desse modo, a alma humana fica impossibilitada de conhecer quanto os sentidos se tornam impedidos. Pela morte, os sentidos tanto externos quanto internos cessam. Mas segundo São Tomás, a alma é incorruptível e mesmo separada do corpo, ela não cessa de conhecer.

É sabido que após a morte, a inteligência subsiste e passa a ter um modo de se exercer bastante diferente do modo daqui da Terra, pois que ela é chamada a contemplar em sua essência as realidades imateriais em Deus. Convém-lhe assim conhecer vendo o que de si é inteligível, da mesma maneira que as substâncias separadas. Deus infunde espécies na alma da mesma maneira que o faz com os anjos. A alma tem parte nelas, embora de modo menos elevado. Por meio destas espécies a alma conhece o que lhe convém de maneira direta e intuitiva. Esse conhecimento ultrapassa em qualidade e em segurança tudo que existe na Terra, tanto por causa da superioridade da luz divina, quanto por causa da ausência de possibilidade de erro oriunda dos fantasmas da imaginação.

À guisa de ilustração, imaginemos alguém que, em virtude de acidente, perde os olhos. Deixará imediatamente de enxergar. No entanto, a capacidade virtual de poder ver, nele subsiste. E subsiste na alma, não no corpo, obviamente. Se por algum prodígio da medicina, puder ser-lhe restaurada a vista, passará novamente a enxergar, pois a potência virtual da vista reencontrará o elemento corporal que lhe permite exercer-se, que são os olhos.

Uma dificuldade surge, entretanto, a esse respeito.

Segundo São Tomás, é próprio da inteligência humana conhecer as realidades espirituais a partir de suas imagens sensíveis. Não é essa inteligência, entretanto, da mesma natureza que a inteligência dos anjos, os quais, não estando unidos naturalmente a um corpo, conhecem diretamente a essência das coisas por meio das formas inteligíveis infusas no momento em que são criados. Ora, Deus move cada natureza segundo seu próprio modo de ser. Assim sendo, parece que a inteligência humana conhecerá sempre com base em imagens.

Contudo, quando se fala da visão do Criador - ao menos no que concerne esta visão direta e face a face que chamamos de visão beatífica -, é preciso render-se à evidência de que nenhuma imagem sensível pode permitir ao homem conhecer sua inteligibilidade. Deus se torna inteligível, sem o concurso de qualquer ser intermediário criado. Trata-se de um modo novo de conhecer onde parece que o intelecto não tem lugar.

Contudo, o presente artigo não tratará do problema epistemológico da alma separada. Nossa problemática é outra: o da condição da alma separada. Trata-se de uma aproximação acerca daquilo que São Tomás expôs em sua Suma Teológica. Em outras palavras, quais as funções que a alma no estado de separação do corpo pode exercer e que influências pode sofrer?


As operações da alma separada

A alma continua viva. A Igreja já condenou a hipótese da inconsciência da alma após a morte. Na outra vida, antes da ressurreição, a vida da alma é parecida com a do anjo, embora com diferenças características. O anjo, por exemplo, se move "instantaneamente"; o homem, não. O homem não pode seguir o voo de seu pensamento, nem de sua vontade, como o faz o espírito angélico. Algo disso, no entanto, pode fazer. Por concessão de Deus também.

Atividades que requeiram as potências sensitivas externas (corpo), não as pode ter a alma separada do corpo. Com a morte, a alma só conserva em raiz, virtualmente, as potências sensitivas, pois que operam a partir de seu corpo (sentidos). Por exemplo, não poderá mais conhecer uma árvore concreta já vista em sua peregrinação terrena ou ainda, a conhecer depois. Só pode ter noção da ideia universal de árvore (aplicável, portanto, a todas as árvores do mundo).

Outro aspecto, entretanto, é no tocante à atividade espiritual, ou funcionamento psicológico, que veremos a seguir.

A alma separada do corpo conserva todos os conhecimentos intelectuais adquiridos anteriormente durante sua vida neste mundo. Vê-se e conhece-se a si mesma de modo perfeito. Conhecimento que se dá com alegria superabundante para as almas justas. Conhece perfeitamente as demais almas separadas, o que lhe era vedado enquanto unida a seu corpo. Tudo por conhecimento natural. Conhece também os anjos, no entanto, não por conhecê-los por alguma espécie inteligível abstrata, pois que eles são superiores (mais "simples"). O conhecimento que a alma tem dos anjos lhe advém, sim, do conhecimento de semelhanças impressas na alma por Deus, acessíveis às almas separadas. Em virtude das espécies inteligíveis infundidas naturalmente por Deus, têm as almas separadas um conhecimento natural, embora imperfeito e geral, de todas as coisas naturais. Isto traz um aumento enorme do que se poderia chamar das ciências naturais da alma separada.

Em virtude destas mesmas espécies naturais infundidas por Deus, pode a alma separada conhecer um enorme número de coisas. Não todas, mas aquelas com as quais tiver determinado relacionamento, seja por ter delas conhecimento anterior (ciência), por afeto (amigo, parente), seja por inclinação natural (semelhança de vocação) etc. Tudo, por determinação divina.

O conjunto todo destes conhecimentos proporciona à alma separada, além das ideias infundidas por Deus, uma elevadíssima ideia de Deus enquanto Autor da ordem natural, pois grande número de perfeições divinas reflete-se na própria substância das almas separadas, além das demais coisas que conhece naturalmente por infusão divina.

Todos esses conhecimentos dizem respeito tanto às almas dos justos, quanto à dos precitos. Nenhum deles transcende a ordem puramente natural (naquele estado), sendo algo que pede e exige psicologicamente o estado próprio da separação. Para as almas boas será motivo de regozijo; para as outras, ocasiões suplementares de tormentos e decepções.

Baseando-se em São Jerônimo: "Aprendamos na terra aquilo cujo conhecimento persevere em nós até o céu", São Tomás declara que a ciência, na medida em que está no intelecto (e ele demonstra que está principalmente nele), permanece na alma separada.

Nesse ponto, há uma dificuldade levantada por São Tomás:

Alguns homens menos bons neste mundo possuem a ciência, enquanto outros mais virtuosos são dela privados. Se o habitus da ciência permanecesse na alma mesmo depois da morte, resultaria que alguns menos bons seriam na vida futura superiores a outros mais virtuosos, o que parece inadmissível.

E responde: "Pode ser, assim como poderá haver maus de estatura maior que bons; mas, continua ele, isso quase não tem importância, em comparação com as outras prerrogativas que os mais virtuosos terão..."


Podem as almas separadas do corpo conhecer o que se passa na Terra?

São Tomás começa, a priori, negando essa hipótese. Cita São Gregório: "Os mortos não sabem como está organizada a vida daqueles que, depois deles, vivem na carne; a vida do espírito é bem diferente da vida da carne. Assim como as coisas corpóreas e as incorpóreas diferem em gênero, também se distinguem pelo conhecimento".

No tocante aos bem-aventurados, no entanto, São Gregório realça que "não se deve pensar a mesma coisa a respeito da alma dos santos. Para aquelas, com efeito, que veem por dentro a claridade de Deus todo-poderoso, não se deve absolutamente acreditar que reste fora alguma coisa que ignorem".

Opinião também contestada por Santo Agostinho ["Minha mãe, que tanto fez por mim na terra, depois não me apareceu nunca mais"], reproduzida por São Tomás.

São Tomás, no entanto, acaba concluindo que "parece mais provável que as almas dos santos, que veem Deus, conheçam tudo o que aqui acontece". E enuncia três observações que enriquecem o tema:

1ª - Os mortos podem preocupar-se das coisas do mundo, ainda que as ignorem concretamente. Da mesma maneira que quando rezamos pela alma de um falecido, sem saber se está efetivamente no purgatório ou não.

2ª - Podem tomar conhecimento das coisas deste mundo por informações que lhes cheguem, seja pelos anjos, seja pelos demônios ou ainda por divina revelação, sobretudo por algum fato que lhes diga mais especialmente respeito (conhecidos, familiares).

3ª - Por especial permissão divina, podem auferir conhecimento por outras almas, diretamente ou por meio de anjos.

Royo Marín (1965, p. 183) esclarece ser necessário - para melhor abarcar a questão do conhecimento das almas separadas de seus corpos - distinguir as almas que saíram deste mundo em estado de graça e as que saíram em estado de pecado mortal, e ainda as que ficaram tão-só com o pecado original.

Para os bem-aventurados, diz, não há a menor sombra de dúvida que são esclarecidas pelo que há de mais central e importante na vida sobrenatural: a vida íntima de Deus.

Para as almas do purgatório, não consta que recebam, depois de separadas do corpo, novas iluminações sobrenaturais, pois estas seriam um prêmio para elas, o que não lhes é mais dado naquele estado.

Quanto aos condenados ao inferno, não conservam nenhum conhecimento sobrenatural, pois este é uma virtude sobrenatural e ao morrer perdem todo e qualquer resquício de fé. Conservam tão-somente os conhecimentos da antiga fé, mas como conhecimentos estritamente materiais (memória).


Tipos de relacionamento das almas separadas

Com Deus dá-se o relacionamento mais íntimo e perfeito através da visão beatífica.

As almas do purgatório possuem uma contemplação infusa, pela influência dos dons do Espírito Santo. Nada impede que recebam iluminações preternaturais (isto é, acima de sua natureza própria), embora não se possa afirmá-lo com certeza.

Os condenados, por sua vez, só têm um conhecimento natural de Deus e enquanto restos de conhecimento tidos na vida terrestre. Odeiam-no irredutivelmente.

A comunicação com os anjos se dá por locução intelectual à maneira própria deles, por uma espécie de irradiação ou transmissão direta do pensamento, por intuição. O anjo, sendo de uma natureza intelectual superior à da alma separada, concebe pensamentos de uma inteligibilidade superior à alma separada, que esta não pode apanhar em vista de sua fraqueza. Assim, aparentemente se poderia pensar que não pode haver comunicação entre os anjos e as almas separadas. Entretanto, acontece que a linguagem exterior, que comunicamos por meio da voz, somente nos é necessária em vista de nosso corpo. É a razão pela qual não convém nem aos anjos, nem às almas separadas, que só conhecem a linguagem interior. Ora, essa linguagem não consiste somente em falar consigo mesmo através da formação de conceitos, mas também em ordenar - por meio da vontade para os anjos e da sensibilidade para os homens - este conceito em vista de poder transmiti-lo a outros. Ou seja, é tão-somente por metáfora que se usa o termo de linguagem dos puros espíritos para significar o poder que têm de manifestar seu pensamento.

Com as demais almas separadas é que ocorre o modo de comunicação mais natural das almas nesse estado. É feito à maneira do relacionamento com os anjos, mas de maneira mais conatural e perfeita: "por semelhanças impressas por Deus, que não chegam a representar perfeitamente aos anjos, porque a natureza da alma é inferior à do anjo".

Com os homens, ordinária e normalmente, por seu estado natural de então, não podem se comunicar as almas separadas. Entretanto, por especial disposição de Deus, pode dar-se esse relacionamento.

Convém ressaltar que a alma humana separada de seu corpo não pode (por si mesma) aparecer aos homens, pelo menos por suas próprias potências naturais naquele estado. Segundo Dumouch (1992, pp. 244-248, artigos 6-8), a razão dessa incapacidade está ligada ao fato de que, entre as naturezas espirituais existentes, ela é a menos perfeita delas. Quanto mais uma natureza espiritual é perfeita, mais o conhecimento que ela tem das realidades é universal e simples. E constitui um princípio em toda a criação que a capacidade de agir é decorrente da universalidade do conhecimento. Assim, Deus, que é a essência da perfeição, conhece todas as coisas por meio de um só conceito, que é a sua própria essência. O poder de sua ação é proporcionado à perfeição de seu espírito: assim, Deus pode fazer tudo aquilo que é factível.

Os anjos, que são seres intermediários entre Deus e os homens, conhecem por meio de diversas espécies inteligíveis. Quanto mais estiverem próximos de Deus pela sua essência, mais seu conhecimento natural é simples e concomitantemente profundo. Pelo simples poder intelectual, e sem necessidade da faculdade de conhecimentos sensíveis, são aptos a conhecer todos os singulares materiais. São assim capazes, por natureza, de mover todos os corpos materiais pelo simples poder de seu espírito. Assim é que podem aparecer aos homens plasmando "corpos" modelados por eles. O caso narrado no livro de Tobias é bem ilustrativo dessa hipótese. Com efeito, disse o anjo que lhe apareceu: "Parecia-vos que eu comia e bebia convosco, mas o meu alimento é um manjar invisível, e minha bebida não pode ser vista pelos homens". Da mesma forma podem os anjos influenciar os homens, seja agindo sobre sua imaginação, seja movendo de fora sua faculdade motora, o que pode ser comprovado, com os anjos decaídos, por exemplo, nos casos de possessão demoníaca.

Finalmente, o homem - o mais fraco dos espíritos - só conhece as realidades de modo progressivo, por meio das sensações através das quais abstrai o inteligível. Seu conhecimento parte, pois, daquilo que é singular. Também, pela sua natureza, só é levado a mover um único corpo, que é o seu. É-lhe impossível, por sua própria vontade, imprimir auto-movimento a outra coisa senão seu próprio corpo.

Conclusão

Para finalizar, não se pode deixar de reconhecer que impossível seria que Deus não permitisse às almas separadas de seus corpos continuarem a conhecer, pois, embora a morte seja fruto do pecado original, o destino eterno de cada um não pode passar por um processo - ainda que provisório - como que de "amnésia" ou inconsciência, teses condenadas, como já afirmamos, pela Igreja. Deus não seria a própria Bondade se nos submetesse a igual condição, que mais bem seria um rebaixamento na ordem ontológica. Mesmo porque, todas as almas na eternidade já foram julgadas e parte delas favoravelmente, com direito ao pleno conhecimento da Causa das causas. Não teria sentido privar almas justas - que já deram provas, portanto, de seu amor para com o Criador - do conhecimento dEle, enquanto não ressuscitassem seus corpos.

Ficam assim dadas estas considerações sobre um assunto pouco focalizado hoje em dia no tocante a nossa vida pós-terrena, pelo menos no período que antecede à ressurreição. Pretendíamos levá-las ao conhecimento dos estudiosos no assunto - ou simplesmente cativados pela temática - especialmente para servir de auxílio a proporcionar uma vida espiritual mais intensa, que reverta numa dedicação vigorosa e dinâmica à Nova Evangelização e, ipso facto, aos interesses da Igreja em geral.


***
por Guy Gabriel de Ridder
( Extraído do site, www.cleofas.com.br )

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Despertar para um novo dia


É isso que importa em nossa vida: quebrar essa rotina do habitual. Precisamos sentir o que significa: respiro, portanto existo. Estou aqui. A cada dia saboreio de novo o gosto da vida. Nenhum dia é igual ao outro. E cada um de nós também é único, é singular.

A felicidade está no frescor da manhã, no encanto do momento, na beleza do sol que nasce. Quem não desperta, não pode perceber a felicidade que o rodeia.


quarta-feira, 9 de novembro de 2011

As fontes de sua força


Hoje muitos têm a sensação de que a fonte que alimenta sua vida ficou turva. Perdeu sua energia renovadora. Ou ela ficou turvada em conseqüência de atitudes que não fazem bem à alma, ou em virtude de emoções que, de fora, sujam essa fonte originalmente pura. É o momento em que muitas pessoas sentem saudade de uma clareza que refresca.

Quando a gasolina do tanque está no fim, podemos reabastecer o carro nos postos das companhias petrolíferas, desde que paguemos o preço. As baterias também podem ser recarregadas. Mas nós seres humanos não somos máquinas.

Depende das fontes das quais haurimos se a nossa vida vai dar certo ou não. Se não avançarmos até o fundo, encontraremos apenas água turva. Se quisermos ter água clara e saudável, não poderemos ficar na superfície. É necessário avançar até aquelas fontes que realmente nos refrescam, que fecundam a nossa vida e purificam a turvação dentro de nós.

Quem haurir das fontes do Espírito Santo irradiará leveza, fecundidade e vitalidade. Para descobrir essa fonte pura dentro de nós, precisamos enfrentar primeiro as fontes turvas. Atravessando estas, podemos penetrar até às fontes claras que brotam no fundo de nossa alma.

O sentido que dou à vida como um todo e a cada situação em particular me dá força, me fecunda e me refresca. Quando não percebo o sentido das coisas, perco também o contato com essa fonte. Vagueando sem objetivo, perco de vista as possibilidades de renovação que nascem diante de meus pés.

O esgotamento é um sinal de que deixamos de viver da energia interior para substituí-la pela água de fontes turvas. Quem dá aos outros porque ele próprio precisa de atenção, esgota rapidamente as suas reservas.

No fim das contas não é tão importante o que os outros querem. Preciso sentir dentro de mim o que é certo para mim. Entrando em contato comigo mesmo, chegarei também aos meus recursos interiores.

Descubro minha fonte pessoal quando me pergunto: de onde eu tirava minha força quando era criança? Onde minha energia fluía mais ? Com que podia brincar durante horas sem me cansar ? Recordando essas situações, consigo restabelecer o contato com minha própria força.

Quando haurimos de nossa clara fonte interior, podemos trabalhar muito e bem. E o faremos com nova alegria e energia. A própria fonte inunda o nosso corpo e a nossa alma com um novo frescor. E isso faz com que a nossa ação seja bem-sucedida.

A sua vida será fecunda se você viver a partir da fonte interior. Não se deixe pressionar por exigências. Você não precisa provar nada. O que importa é entrar em contato com a fonte interior de sua vida.

( Anselm Grün )


segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Força


" A nossa força se proporciona à resistência que encontra". ( W.C. Hazlitt )

" O homem não possui em si próprio a força que o possibilite impor-se
e lhe dê a salvação". ( Évode Beauchamp )

"Não é forte quem derruba os outros; forte é quem domina sua ira". ( Maomé )

A força é muito importante na vida e alimenta nossos sonhos. Para que algo realmente grandioso aconteça, é preciso um sonho realmente grande. Procure fazer seus sonhos ainda mais grandiosos porque a vida é infinitamente mais bela do que você pensa. Não procure somente a vontade de Deus, mas suas preferências mais secretas; não mais seu sonho mas o sonho de Deus, aquele que Ele esboçou para seu benefício, desde toda a eternidade.
Algumas pessoas seguem o caminho e nunca questionam o que lhes acontece, apenas enfrentam as fortes tempestades e continuam a remar em direção à vitória. Não desanime diante das adversidades e contrariedades. Às vezes, a maré empurra para a direção certa; outras, o vento desvia o rumo. O que importa é a força para resistir. Pense que hoje, quando Deus abriu a janela do céu, perguntou : " Qual é o seu desejo para hoje?" 

( Antônio Francisco Bohn, Mensagens de vida. )


sábado, 5 de novembro de 2011

Evangelho (Mateus 5,1-12a)





Naquele tempo, 1vendo Jesus as multidões, subiu ao monte e sentou-se. Os discípulos aproximaram-se, 2e Jesus começou a ensiná-los: 

3“Bem-aventurados os pobres em espírito, porque deles é o Reino dos Céus.
4Bem-aventurados os aflitos, porque serão consolados. 
5Bem-aventurados os mansos, porque possuirão a terra. 
6Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados. 
7Bem-aventurados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia. 
8Bem-aventurados os puros de coração, porque verão a Deus. 
9Bem-aventurados os que promovem a paz, porque serão chamados filhos de Deus. 
10Bem-aventurados os que são perseguidos por causa da justiça, porque deles é o Reino dos Céus! 
11Bem-aventurados sois vós, quando vos injuriarem e perseguirem, e, mentindo, disserem todo tipo de mal contra vós, por causa de mim. 12aAlegrai-vos e exultai, porque será grande a vossa recompensa nos céus”.



- Palavra da Salvação. 

- Glória a vós, Senhor. 

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Quando chega o desespero


Teresa de Lisieux, a pequena Teresa, é uma grande sábia dentre os santos. Ela morreu cedo, quando ainda era uma jovem carmelita. Num clima de espiritualidade estreita e amedrontadora, predominante na época, ela encontrou a coragem de descobrir para si o pequeno caminho do amor cotidiano. Ela jogou fora todo o complicado sistema espiritualista que lhe foi imposto, e passou a confiar no amor. Apesar da pouca idade, ela tinha uma consciência profunda do mistério do ser humano. Essa grande conhecedora da alma escreve: " Quando o desespero nos acomete, geralmente pensamos demais no passado e no futuro". Ficamos desesperados porque no passado não fomos tão perfeitos como gostaríamos de ter sido e olhamos amedrontados para o futuro. O único caminho para nos libertarmos do desespero é nos colocarmos totalmente no momento presente. Agora, neste momento, eu vivo diante de Deus. E agora estou cercado pelo seu amor. Isso me basta. O que foi e o que virá não me preocupa, e não me criará nenhuma preocupação.

( Anselm Grün )